Angola emitiu USD 1,2 MM em eurobonds no mercado internacional sob a forma de TRS (Total Return Swap) para o JP Morgan e, em troca, o País recebeu financiamento no valor de USD 600 milhões, de acordo com o prospecto (pag. 250), sendo que os títulos serão propriedades da JPM até 16/12/2025, altura em que encerra a TRS.
Com este financiamento, Angola pagará juros sobre os USD 600 milhões que deve rondar os 8% a 9% ao ano, e os juros a pagar sobre os USD 1,2 MM rondarão aos 10,95% ao ano. Essas informações da taxa não constam do prospecto, mas, se correctamente interpretadas, as páginas 66, 67 e 73 do prospecto obtemos a confirmação.
Contabilização (pag 251):
O financiamento de USD 600 milhões será tratado como dívida externa de Angola. Os Eurobonds (TRS Notes) são classificados como “passivos contingentes” enquanto o TRS estiver activo. Caso o TRS termine sem que Angola recupere os títulos, o montante correspondente será reclassificado como dívida.
Na página 73, ponto 5.2 sobre o Accrual of Interest, diz que cada nota deixará de render juros a partir da data de seu resgate. Nesse caso, a implicação aqui é que enquanto os títulos estiverem pendentes, Angola continuará responsável pelo pagamento dos juros periódicos.
Essas eurobonds serão classificadas como passivos contingentes e, contabilisticamente, significa que não farão parte das demostrações financeiras, apenas aprecem nas notas como potencial dívida. O impacto disso é que essa classificação não será contada como dívida, o que impede que o rácio da dívida aumente na mesma magnitude.
O prospecto é claro ao afirmar que a JPM tem liberdade de vender os títulos no mercado secundário ou mesmo mantê-los. A JPM deve mantê-los.
Angola irá pagar os juros sobre os USD 1,2 MM, mas receberá de volta caso cumpra as condições até ao final TRS (16/01/2024). Nesse caso, o País poderia receber de volta o título e os juros acumulados que deverá pagar até lá. Esses juros das eurobonds, que serão pagos ao longo do ano, podem ser usados para abater o principal (USD 600M), incluindo os juros associados.
O que deve acontecer após o final da TRS?
Angola pode resgatar as eurobonds da JPMorgan ao final do TRS e até lá o título pode valorizar ou desvalorizar dependendo das condições do mercado. Aqui o emitente terá de decidir o que fazer com os títulos, extingui-los ou repô-los no mercado, lê-se nas páginas 250 e 251 do prospecto, que dá a probabilidade de levantamento de fundos correspondentes.
Renegociar ou renovar o TRS, dependerá da vontade do banco norte-americano, o que, na prática, exige outras garantias.
O que acontece se Angola não conseguir pagar?
Caso Angola não consiga pagar os USD 600M, a JPMorgan venderá as eurobonds para recuperar o empréstimo concedido e ainda fica com os cupões pagos por Angola. Nessa condição, o valor das eurobonds será reclassificado como dívida efectiva no balanço de Angola e os mais ou menos USD 1,2 MM que eram passivos contingentes passam a somar para o nosso stock da dívida, incluindo os USD 600MM mais juros.
Como Angola vai pagar esse empréstimo de USD 600M e juros sobre os USD 1,2MM em 12 meses? O Ministério das Finanças de Angola pode ir buscar a massa junto do Banco Nacional de Angola (BNA), receitas de petróleo ou novos financiamentos. A primeira opção é a mais provável e flexível, embora, talvez, seja feita à margem da lei do Banco Central.
Com base na lei do OGE 2025, o Governo pode emitir uma carteira de títulos (podem ser em USD) de 5 anos, equivalentes a 10% das receitas ordinárias do OGE 2024. Aqui o BNA recebe cupões que podem ser trimestrais, sendo que o principal receberá 5 anos depois, o que, do meu ponto de vista, pode constituir violação da lei do BNA (artigo 35).
Se calcularmos os 10% das receitas ordinárias do OGE 2024 e convertermos ao cãmbio actual, isso é quase USD 1,4MM, o que, mantendo tudo resto constante, é mais do que o suficiente para se livrar da JPM, pagando os USD 600 bem como os juros e ainda pagar algumas prestações dos juros associados aos USD 1,2MM.
Resumindo e concluindo, essa forma de financiamento gera forte pressão em pagamento de juros este ano, o que pode afectar a economia, particularmente o mercado cambial, embora seja mais barato do que emitir uma eurobonds propriamente dita.