A transformação digital e a simplificação de processos são hoje prioridades para muitos governos em todo o mundo. Em Angola, a iniciativa presidencial “Simplifica” surgiu como uma resposta à necessidade de desburocratizar e tornar mais ágeis os serviços públicos. Apesar disso, ainda se observa uma resistência à mudança no sector público que impede a implementação plena de soluções tecnológicas capazes de melhorar a vida dos cidadãos e a eficiência das instituições.
“Será que a tecnologia é suficiente para impulsionar uma reforma administrativa, ou precisamos de uma mudança cultural e de mentalidades?”
O programa “Simplifica” definiu um conjunto de medidas destinadas a reduzir a burocracia, eliminar exigências de documentos redundantes e promover a interoperabilidade entre os serviços do Estado. Em paralelo, surgiram outras iniciativas relevantes:
- Pagamentos por Referência na RUPE: Permite efectuar pagamentos de taxas e serviços públicos de forma digital, com geração de referências automáticas. Ainda assim, muitas instituições continuam a solicitar o comprovativo de pagamento físico, embora haja notificação “end-to-end” que confirma a transacção.
- Acompanhamento por SMS do Bilhete de Identidade: Uma solução que facilita ao cidadão saber do estado do seu documento sem necessidade de deslocações. Porém, ainda não há um portal unificado que permita verificar, em tempo real, o progresso da emissão de vários documentos, como passaportes ou cartas de condução.
- stac.co.ao: Um serviço que prometia agilizar procedimentos relacionados com a carta de condução, mas que, por razões pouco claras, foi aparentemente descontinuado ou permanece inactivo.
Todas essas iniciativas demonstram o potencial existente para a modernização administrativa. Contudo, o desalinhamento entre novas ferramentas e práticas administrativas tradicionais cria frustrações nos cidadãos e acaba por desacreditar as soluções digitais.
Na base dessa contradição entre soluções inovadoras e práticas ultrapassadas encontra-se um conjunto de factores:
- Falta de Capacitação: Muitos funcionários públicos não receberam formação específica para lidar com ferramentas tecnológicas, o que gera receio e desconfiança.
- Cultura Organizacional: A tradição burocrática, em que se exigem múltiplos documentos e carimbos, ainda é vista como sinónimo de rigor.
- Desconhecimento das Leis e Normas Vigentes: Muitas instituições simplesmente não actualizam os seus procedimentos internos conforme as directivas do Simplifica ou de outros programas.
“Até que ponto a resistência à mudança é fruto de insegurança profissional, ou resulta de falhas na divulgação e no apoio aos servidores públicos?”
O Instituto de Modernização Administrativa (IMA) foi criado precisamente para liderar e coordenar os esforços de modernização do aparelho do Estado. A sua actuação deveria ser transversal e contínua, promovendo:
- Formação: Capacitar o quadro de servidores públicos em tecnologias de informação e gestão de projectos de inovação.
- Integração: Garantir que sistemas como a RUPE, plataformas de identificação civil, bem como serviços de saúde e educação, possam trocar dados sem necessidade de burocracias adicionais.
- Sensibilização: Mostrar os benefícios práticos da transformação digital, tanto para os funcionários quanto para os cidadãos.
Apesar disso, o IMA precisa de maior apoio institucional e de um reforço orçamental, para que as boas ideias não se percam no caminho, e para que a coordenação com outras entidades (incluindo governos provinciais e administrações municipais) seja efectivamente posta em prática.
O governo, em alguns sectores, tem dado exemplos positivos:
- Plataformas de agendamento online: Alguns serviços já permitem o agendamento via internet, reduzindo filas e deslocações.
- Portal do Cidadão: Embora ainda limitado, é um conceito que pode crescer para abranger cada vez mais serviços.
Entretanto, oportunidades continuam a ser desperdiçadas:
- Ausência de um Portal Único: A falta de um ponto de acesso centralizado para serviços públicos faz com que o cidadão tenha de “passear” por vários sites ou deslocar-se fisicamente a diferentes repartições.
- Falta de Aplicações Móveis Integradas: Embora haja apps e iniciativas pontuais, não existe um ecossistema unificado que abranja documentos de identificação, passaportes, impostos, entre outros.
“Se já conseguimos receber notificação por SMS do BI, porque não estender o mesmo princípio a outros serviços críticos como passaporte, licenciamento de viaturas ou cartões de contribuinte?”
A modernização não deve ficar restrita aos grandes centros urbanos. As administrações locais também necessitam de investimentos e suporte técnico, para que a desburocratização seja uma realidade em todo o país, não apenas nas capitais provinciais.
A implementação efectiva da transformação digital no sector público angolano exige vontade política, investimento sustentado e mudança de mentalidades. É preciso que todos os actores — governo, instituições, funcionários públicos e cidadãos — compreendam que a inovação não é um acessório, mas uma urgência para o desenvolvimento.
- Pergunta 1: Que mecanismos podem ser criados para fiscalizar o cumprimento das directivas do Simplifica, garantindo que as instituições não continuem a exigir documentação redundante?
- Pergunta 2: Até onde o IMA pode e deve ir na coordenação das políticas públicas de modernização e no apoio aos níveis municipais e comunais?
- Pergunta 3: Como envolver o sector privado e as universidades na criação de soluções digitais que efectivamente atendam às necessidades da população?
“Afinal, a transformação administrativa e digital é uma escolha ou uma obrigação para o progresso do país?”