A actuação dos reguladores sectoriais, conselhos fiscais e auditorias independentes em Angola está sob intenso escrutínio. Esperam-se destes órgãos – seja na energia, seguros, telecomunicações, transportes, na banca ou sector público – transparência e rigor, mas casos recentes questionam fortemente essa eficácia.
Quem vigia os próprios reguladores?
Angola possui reguladores sectoriais como o Banco Nacional de Angola (BNA), IRSEA (energia), ARSEG (seguros) e INACOM (telecomunicações). Estes têm o dever de garantir conformidade às regras e proteger o consumidor. Contudo, surgem dúvidas legítimas: quem supervisiona os reguladores?
Um exemplo emblemático vem da banca. Apesar de o BNA exigir aos bancos demonstrações financeiras trimestrais, instituições relevantes violaram esses prazos sem consequência imediata em 2024. O BNA foi acusado de passividade, afectando directamente a credibilidade das normas que ele próprio estabeleceu. O problema complica-se mais quando o próprio BNA foi detectado em irregularidades internas. Em 2019, o Conselho de Auditoria do BNA revelou financiamentos ilegais ao extinto BANC, ultrapassando limites legais claros. Quem responsabiliza o regulador quando ele próprio viola as regras?
No sector das telecomunicações, o polémico processo de licitação para a quarta operadora móvel (2018) reforça estas preocupações. A desistência da gigante MTN, alegando falta de transparência e favorecimento, mostrou a necessidade urgente de supervisão independente também sobre os reguladores.
Conselhos fiscais: Independência ou aparência?
Os Conselhos Fiscais deveriam garantir isenção na supervisão interna das empresas. A legislação angolana e as boas práticas recomendam independência absoluta desses órgãos. Contudo, na prática, especialmente nas empresas públicas, essa autonomia aparenta ser muitas vezes ilusória.
O caso “Luanda Leaks” expôs potenciais fragilidades sérias: irregularidades detectadas apenas por investigação externa, levantando dúvidas sobre pressão política ou complacência interna. Mesmo no Tribunal de Contas, entidade máxima de controlo do Estado, denotaram-se interferências políticas claras, como em 2023, com a saída antecipada da sua presidente, Exalgina Gambôa, após manifestação presidencial. Se até o fiscalizador máximo do Estado é vulnerável, como garantir a independência dos conselhos fiscais empresariais?
Auditorias Externas: Estamos a cumprir as Normas Internacionais?
As auditorias externas têm papel essencial para garantir a veracidade das contas. Angola adoptou, recentemente, regras rigorosas de rotatividade obrigatória dos auditores externos (Decreto Presidencial n.º 79/24), limitando a sua actuação a períodos máximos de quatro anos consecutivos, alinhando-se às melhores práticas internacionais.
Ainda assim, escândalos anteriores demonstraram sérias falhas. O caso do Banco Espírito Santo Angola (BESA) e dos Luanda Leaks revelaram auditorias pouco rigorosas ou comprometidas por interesses comerciais, afectando, inclusive, as “Big Four”. Estes exemplos alertam para a importância de monitorar activamente a aplicação dessas novas normas, garantindo efectiva independência e rigor.
Porque Persistem os Casos Nebulosos?
Apesar de estas estruturas fiscalizadoras formais existirem, Angola continua marcada por escândalos financeiros e administrativos. Isto ocorre devido a três factores principais:
* Ausência real de independência: Reguladores e órgãos fiscalizadores frequentemente enfrentam pressões políticas, reduzindo a sua liberdade de actuação efectiva.
* Limitações técnicas e financeiras: Há défices de recursos e competências, dificultando uma supervisão eficiente e aprofundada.
* Cultura histórica de impunidade: Até recentemente, raramente se responsabilizavam legalmente figuras poderosas por irregularidades, o que incentiva a manutenção das más práticas.
O Caso recente da gestão opaca da dívida pública no sector energético mostra claramente que, sem mecanismos transparentes, escândalos continuam a ocorrer, mesmo com reguladores activos.
Indicadores Internacionais: Diagnóstico e Alertas
Índices internacionais destacam fragilidades importantes em Angola. No Índice de Percepção da Corrupção (IPC), Angola melhorou inicialmente, mas estabilizou numa pontuação ainda preocupante (33/100 em 2023). O Open Budget Index mostra um retrocesso na transparência orçamental, e o indicador de qualidade regulatória do Banco Mundial coloca o país num patamar bastante baixo.
Estas métricas sublinham que, apesar dos avanços normativos, o impacto real ainda é limitado. O risco permanece enquanto a fiscalização efectiva não for garantida.
Desafios e Caminhos para a Boa Governação
- É essencial reforçar a independência efectiva dos reguladores e conselhos fiscais através de:
- Nomeações transparentes, livres de conflitos políticos com fiscalização parlamentar.
- Reforço técnico e financeiro dos órgãos fiscalizadores.
- Auditorias externas regulares e proactivas, com resultados divulgados publicamente.
- Aplicação rigorosa de sanções em caso de incumprimento ou irregularidades.
Fortalecimento da imprensa independente investigativa e da sociedade civil como fiscais adicionais.
Sem estas condições asseguradas, o ciclo de irregularidades manter-se-á. A construção de uma cultura de boa governação e transparência depende, acima de tudo, de responsabilidade efectiva e consequências reais para quem viola regras.
Em suma, mais do que normas ou reguladores, Angola precisa de acções e compromissos firmes que consolidem a transparência como regra e não como excepção.